sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O que deve cair com Serra? Artigo não publicado pela Folha


(artigo recusado pelo Editor do "Tendências e Debates" da "Folha de São Paulo"*)
por Luis Fernando Vitagliano**

Primeiro Serra trouxe para a eleição de 2002 o tema do medo. Fez propaganda com a Regina Duarte estampada na TV com medo do Lula. Depois, contra Dilma, apelou para o aborto. Agora é a vez do Kit-gay contra Haddad. O PSDB, sob a liderança de Serra deixou de ser um Partido Social Democrata para tornar-se um Partido de valores conservadores e sair da esquerda política para representar a direita social. Com isso o partido ganhou engajamento e perdeu representatividade. Agora presta o desfavor de ressuscitar temas há muito afastados da política brasileira ao tentar marginalizar no debate político minorias em prol de certo tipo de moral dominante.

Talvez o eleitor não conheça; ou talvez muitos de nós tenhamos nos esquecido do contexto, mas é preciso recuperar um dos mais importantes projetos de sociologia aplicada do século XX, a pesquisa de Theodor Adorno nos EUA sobre a “Escala F”. Entre 1940 e início de 1950Adorno em parceria com alguns psicólogos se propõe a estabelecer uma escala sobre a personalidade de indivíduos numa sociedade liberal que têm predisposição se sujeitar à liderança fascista. A base da pesquisa é que existia um padrão de convicções econômicas, políticas e sociais ligados a uma personalidade autoritáriaAssim, o estudo chegou ao indivíduo potencialmente fascista cuja personalidade tinha predisposição a apoiar propagandas antidemocráticas.

Esse estudo começou por conta do antissemitismo. Ou seja, da intolerância no que diz respeito às opções individuais. Propagandas conservadoras baseadas no medo e/ou no ódio violam o principio básico da republica que é a diversidade social. Misturar religião com valores sociais em propagandas políticas já se tornou há muito tempo atitude repugnante e já foi historicamente comprovado o desfavor prestado à cidadania.

Serra, segundo o próprio Datafolha, esta perdendo esta eleição inclusive em redutos tidos como conservadores. Porque mesmo que tenham valores sociais, pessoas com o mínimo de cidadania entendem que não cabe ao poder publico julgamentos sociais. Igrejas e outros grupos conservadores podem ter suas convicções e uma moralidade que os delimita, não há nenhum problema nisso, mas impor sua ordem a outros grupos é autoritarismo. Assim, as criticas a políticas de diversidade só podem ser entendidas como rechaçadas por grupos sociais que não dispõe de nenhuma cidadania ou grupos que desenvolveram a personalidade autoritária nos seus membros.

Se Serra perder as eleições do próximo domingo, como pesquisas apontam, os ventos podem nos dizer que esse tipo de propaganda antidemocrática no Brasil é ineficiente e, portanto, deve ser abandonada. Assim, quem sabe o próprio PSDB não retoma sua politica liberal de defesa de uma esquerda social.

O que se espera cair com Serra então não é o conservadorismo de alguns segmentos sociais, ou determinados valores preservados por instituições religiosas, mas é a impressão de que propagandas antidemocráticas têm espaço e representatividade em partidos políticos – ainda mais em partidos de envergadura nacional.

Infelizmente, a semente da discórdia já esta plantada e outras lideranças antidemocráticas podem surgir. A queda de Serra pode ser avaliada como a queda de um líder conservador. Mas, ainda é preciso derrubar a fração do conservadorismo ligada ao autoritarismo, que encontra neste candidato representatividade e que certamente vai buscar em outras lideranças novas representações.

Nota da Folha sobre recusa do artigo

Em nome da Folha de S.Paulo, gostaríamos de pedir desculpas pela não publicação do texto "O que deve cair com Serra?", de sua autoria. Devido ao acúmulo de artigos recebidos, acima de nossa disponibilidade de espaço, não nos será possível publicá-lo. Contamos com sua compreensão e agradecemos sua iniciativa de colaborar com o jornal.
Cordialmente, Ricardo Mioto 
Coordenador de Artigos e Eventos

** Luis Fernando Vitagliano é cientista político e professor.

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